No segundo semestre, excesso de filmes deve criar “caos de distribuição” No segundo semestre, excesso de filmes deve criar “caos de distribuição”

No segundo semestre, excesso de filmes deve criar “caos de distribuição”

Blockbusters brigam para ocupar calendário, enquanto filmes menores terão que lutar para encontrar um lugar ao sol

Matheus Mans   |  
1 de julho de 2020 10:42
- Atualizado em 3 de julho de 2020 11:24

Nesta quarta-feira, 1º, o Brasil dá os primeiros passos para um segundo semestre imprevisível. Afinal, ainda que muitas cidades já estejam realizando a reaberta, o futuro pós-pandemia permanece incerto. Cinemas, especificamente, ainda tateiam em busca da reabertura e lotação das salas. Mas uma coisa é certa: o calendário de lançamentos, a cada dia que os cinemas permanecem fechados, se torna ainda mais caótico e complicado.

Afinal, o mês de julho já foi descartado por exibidores, distribuidores e produtoras como o momento de reabertura das salas. São Paulo e Rio de Janeiro, os dois principais centros comerciais do país, permanecem em fases que não permitem a abertura de cinemas. Se tudo correr bem, em ambas as praças, a esperada reabertura acontece apenas no final de julho, com venda de ingressos e de alimentos no local muito limitada.

“Guerra de calendário”

E só nesta possibilidade de reabertura, a “guerra do calendário” já começa a ser sentida. ‘Tenet’ e ‘Mulan’ estão travando uma batalha entre os estúdios Warner Bros. e Disney, respectivamente. O filme de Christopher Nolan quer ser, globalmente, o “lançamento de reabertura” — algo arriscado para um filme de orçamento de US$ 300 milhões. Enquanto isso, a Disney quer pegar um momento confortável, duas semanas depois, com o público (na teoria) acostumado.

Yifei Liu em cena de 'Mulan'(Crédito: Divulgação / Disney)
Yifei Liu em cena de ‘Mulan'(Crédito: Divulgação / Disney)

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Assim, a cada remarcação de reabertura, as duas empresas começam uma partida de xadrez. E o mais importante: não será possível colocar lançamentos colados, um atrás do outro, como acontecia antes. Afinal, com salas tendo limitação de ocupação, os filmes precisarão ficar mais tempo em cartaz para compensar as perdas. Há, assim, uma contradição: cinemas terão mais filmes para lançar, mas menos lugares disponíveis.

“Teremos, no segundo semestre, o ‘efeito cascata’”, afirma o pesquisador em cinema, Waldemar Dalenogare, ao Filmelier. “Sem dúvidas, filmes independentes terão dificuldades nesse período. Enquanto isso, grandes players do mercado sabem que o cenário econômico não é favorável. Ninguém quer arriscar lançar três grandes filmes em uma semana. A pergunta é: como se adaptar? Buscar datas mais tranquilas ou competir?”.

Caos no segundo semestre

Nessa briga, porém, a grande preocupação do setor é com o chamado “filme médio”. Não é nem aquele blockbuster com público garantido, nem aquela produção cult de distribuição mais limitada, mas também com público garantido. São produções que precisam conquistar as pessoas e convencê-las a ir ao cinema. São produções nacionais mais robustas, como ‘A Menina que Matou os Pais’, ou filmes independentes dos EUA, como ‘A Assistente’.

'A Menina que Matou os Pais' terá que se esforçar para encontrar espaço no calendário (Crédito: Divulgação/Galeria Distribuidora)
‘A Menina que Matou os Pais’ terá que se esforçar para encontrar espaço no calendário (Crédito: Divulgação / Galeria Distribuidora)

Assim, existem duas opções para quem insiste em lançar o filme nos cinemas: encontrar uma data entre lançamentos de blockbusters, mas que também terão concorrência pesada de filmes menores; ou encarar a briga e colocar o filme junto com grandes lançamentos, como os já citados ‘Mulan’, ‘Tenet’ ou ‘Viúva Negra’. Afinal, ainda que tenha crescido o consumo de streaming, distribuidoras guardam dúvidas quanto aos lançamentos digitais.

No entanto, conforme passa o tempo, esse espaço entre lançamentos vai ficando cada vez mais intrincado. Em 27 de agosto, chega ‘Tenet’ e ‘Novos Mutantes’ aos cinemas. Na semana seguinte, dia 3 de setembro, chega ‘Um Lugar Silencioso: Parte II’. Na outra, já vem ‘Invocação do Mal 3’. Depois, ‘King’s Man: A Origem’. Vale lembrar que ‘Mulan’ ainda não foi reposicionado no Brasil e, em breve, terá que encontrar uma data nesse período – nos EUA, a estreia agora está prevista para 21 de agosto.

Em outubro, a situação está ainda mais intensa. Começa com ‘Mulher-Maravilha 1984’ para, na semana seguinte, já lançar ‘Trolls 2’ e ‘Morte no Nilo’, pela Disney. Na terceira semana, chega o aguardado ‘The French Dispatch’, de Wes Anderson. Por fim, nas duas últimas semanas, chegam ‘G.I. Joe’, pela Paramount Pictures, e ‘Viúva Negra’, aguardado da Marvel.

'The French Dispatch' contará com nome de Wes Anderson e de grande elenco para divulgação (Crédito: Divulgação/Disney)
‘The French Dispatch’ contará com nome de Wes Anderson e de grande elenco para divulgação (Crédito: Divulgação / Disney)

Euzébio Munhoz Júnior, diretor da California Filmes, acredita que esse cenário pode complicar a situação de distribuidoras menores. “Vai virar um engarrafamento. O distribuidor menor, que já enfrenta dificuldades, vai ter ainda mais desafios de encontrar espaço e, principalmente, de manter filme em cartaz”, diz. “Teremos que resolver isso em acordo, de algum jeito”.

Dramas do segundo semestre

Com essa instabilidade de lançamentos e a guerra de distribuição que se anuncia, algumas coisas já estão acontecendo — outras, enquanto isso, não saem do lugar. A Paramount Pictures, por exemplo, surpreendeu na última semana ao desistir da distribuição internacional de ‘Bob Esponja: O Incrível Resgate’, que agora deve ir direto para o digital. Provavelmente, à Netflix.

Afinal, com o adiamento de ‘Mulan’ e ‘Tenet’, se tornou praticamente impossível sustentar uma data nos cinemas. Além de bater de frente com esses dois lançamentos, a produção acabaria enfrentando a concorrência pesada de ‘Trolls 2’, em 8 de outubro. Isso sem falar que a Paramount está com uma lista imensa de lançamentos aguardando para estrear no Brasil.

‘O Chalé’, terror independente da Sony; e o estranho terror ‘Viveiro‘ tiveram os mesmos destinos no Brasil. Nos bastidores, diz-se que ‘SCOOBY! O Filme’, da Warner Pictures, também deve seguir a mesma estratégia.

Enquanto isso, alguns realizadores apenas esperam. A diretora Sandra Kogut, do drama nacional ‘Três Verões’, experienciou uma frustração rara: o filme iria estrear exatamente na semana em que a pandemia começou a se alastrar pelo país. Mesmo após pré-estreias, entrevistas e exibições para a imprensa, o filme protagonizado por Regina Casé teve que ficar pra depois.

“Foi uma decisão dura de ser tomada. Uma das mais difíceis que já tomei. No entanto, logo ela deixou de ser uma decisão e se tornou uma evidência”, disse a diretora ao Filmelier. Questionada sobre a estreia do filme nos cinemas, Kogut disse que ainda não tinha uma previsão concreta. “Ainda estamos analisando o calendário de estreias, as possibilidades. É difícil”.

Sandra Kogut ia lançar 'Três Verões' na semana em que a quarentena começou em São Paulo (Crédito: Divulgação/Vitrine Filmes)
Sandra Kogut ia lançar ‘Três Verões’ na semana em que a quarentena começou em São Paulo (Crédito: Divulgação / Vitrine Filmes)

Soluções de lançamentos

Para muitos dos especialistas consultados pelo Filmelier, há a crença de que talvez seja bom desistir de alguns lançamentos em 2020 — como a Universal Pictures, inteligentemente, fez com com ‘Velozes & Furioso 9‘, que saltou para 2021. Procurar uma data mais tranquila, em outros momentos, talvez ajude a desafogar o calendário. Mas é preciso dar o primeiro passo.

Jean-Thomas Bernardini, diretor da distribuidora Imovision e do cinema Reserva Cultural, afirma estar paciente e aberto a novas experimentações. “São vários lançamentos guardados“, disse o empresário francês. “Estamos vendo opções, mas estou paciente em colocar esses filmes nos cinemas. Sempre tivemos dificuldades e sempre encontramos maneiras de resolver”.

André Sturm, da distribuidora Pandora e do tradicional Belas Artes, também acredita no lançamento tradicional nos cinemas, ainda que ele tenha recorrido à saídas no streaming À La Carte e no drive-in do Belas. Para ele, vai ser o tudo ou nada. “Acho que as pessoas vão sair da quarentena com vontade de cinema, de ver filmes. É isso que eu espero”.